Trânsito
intransitável
Marco Alexandre
de Oliveira
O
trânsito tem sinais de pânico. Ao que parece, a sensação de que tudo está “parado”
é compartilhada por quase todos os que transitam diariamente entre as ruas do
Rio de Janeiro, onde é impossível se deslocar por qualquer local da Cidade
Maravilhosa sem se sentir “preso” ao parar e se deparar com essa cena horrenda.
Que maravilha!
Mas
o trânsito, em princípio, é transitório. Do latim transitu, a palavra trânsito se refere a “ação ou efeito de
transitar” e significa “passagem” e/ou “movimento”. Como metáfora, o termo também
pode ser sinônimo de “morte” enquanto “passamento”.[1] Nesse
sentido, o trânsito representa a transição entre o temporário e o permanente, o
efêmero e o eterno. Poder-se-ia concluir que a própria vida se define como ser e/ou
estar em trânsito.
O
trânsito do Rio, diga-se de passagem, não é passageiro, apesar de ser
movimentado. De fato, os estudos apontam que a cidade tem não somente o pior
trânsito do Brasil, mas um dos piores do mundo. Segundo pesquisas recentes, os
cariocas perdem mais de uma hora em “engarrafamentos” para cada hora dirigida
no horário de pico.[2]
Ao total, as estatísticas calculam uma média de 100 horas perdidas por
ano![3] Além
de tempo, se perde dinheiro, oportunidades e até cabeças nos inúmeros “congestionamentos”,
que não permitem que o tráfego flua e que deixam as ruas entupidas e os
motoristas irritados. Assim, os diversos “transtornos” causados pelo trânsito
afetam não apenas a mobilidade urbana, mas também a personalidade humana.
De
acordo com um estudo que faz parte da Pesquisa Mundial sobre Saúde Mental,
iniciativa da Organização Mundial da Saúde (OMS), a prevalência dos “transtornos
mentais” na Região Metropolitana de São Paulo é a mais alta entre todos os
países pesquisados. Em parte, essa “alta prevalência” (30%) se deve à
“urbanicidade”, pois quanto mais exposição à “vida urbana”, tanto mais “transtornos”
como o famoso “transtorno explosivo intermitente”, que não por coincidência é “típico
de situações de estresse no trânsito”.[4] Explica-se,
desse modo, o pavio curto dos motoristas da capital fluminense que, sem deixar
que os paulistas levem qualquer vantagem, também apresentam seus cada vez mais
frequentes ataques de fúria pelas ruas da cidade. Para um especialista, o
“estresse excessivo no trânsito” pode abalar a saúde e desencadear várias doenças
físicas e “patologias mentais”.[5] Os
engarrafamentos, assim, acabam servindo como “gatilhos para alterar o
comportamento” fisiológico e psicológico, tanto dos motoristas quanto dos
passageiros. O trânsito, portanto, deixa os cariocas literalmente, e
figurativamente, alterados.
O
trânsito, por sinal, está em transe. Mas a solução para o problema
evidentemente não é “vá de ônibus”, como recomenda a prefeitura, que por sua
vez está atrapalhando ao invés de estar trabalhando para melhorar a situação,
com as suas obras sem parar que param tudo de uma vez. Segundo o mesmo
especialista citado acima, “o pior caso” de sofrimento devido ao trânsito é o
do motorista de ônibus, cuja profissão representa uma “atividade insalubre e de
periculosidade.” Imagine passar por esse estresse o dia todo e todo dia! Certamente,
não se deve encorajar a população a ser conduzida pelos motoristas de
coletivos, dos quais cerca de 15% aparentemente têm “alguma patologia”. No caso
mais extremo, há o motorista “sociopata”, aquele que “faz gestos obscenos,
xinga, anda colado na traseira do outro carro, acende farol alto, buzina” e
também é bem capaz de “saltar do ônibus e agredir, até matar.”[6] Os
acidentes assim provocados pelos chamados “ônibus assassinos” são assustadores
mesmo, como demonstra a recente morte do agente de trânsito que foi atropelado intencionalmente
no Centro do Rio. Sem comentar as demais fatalidades que, na verdade, indicam uma
série de tragédias anunciadas.
Para
contornar os transtornos do trânsito, não adianta ir de carro ou de ônibus. Nem
de moto, e muito menos de bicicleta. Apesar da aparente agilidade, andar de
motocicleta é uma alternativa extremamente perigosa, e a taxa de mortalidade por
acidentes de moto é absurdamente alta. De acordo com as pesquisas, o Brasil é "o
segundo país do mundo em número de vítimas fatais de acidentes de moto".[7] Em
parte, os acidentes se devem ao fato de o Brasil ser um dos poucos países a
permitir que as motos trafeguem entre os outros veículos, nos chamados
“corredores da morte”. Com elevadas chances de acidentes que variam de leves a
graves, o uso de moto se torna uma opção arriscada ou até inviável para quem
preza a segurança no trânsito. Do mesmo modo, andar de bicicleta apresenta
perigos semelhantes, embora menos preocupantes. Os desafios para os ciclistas
são outros, pois as poucas ciclovias são pouco respeitadas, e tanto os carros quanto
os ônibus ignoram a sinalização, se houver. Sem lembrar das motocicletas que se
acham uma espécie de bicicleta motorizada e invadem as pistas designadas! A
bicicleta pode ser, então, um veículo útil para passear e/ou se exercitar, mas
não para ir trabalhar.
O
trânsito, afinal, está sem saída. Só resta sair das ruas e entrar nos trilhos.
No entanto, transitar de metrô ou trem é uma opção que infelizmente não vale
para todos, já que os especialistas observam que no Rio de Janeiro apenas “17%
da população é atendida pelas linhas de trem e metrô”[8]. A
cidade, apesar de integrar uma grande região metropolitana com uma população de
aproximadamente 12 milhões de pessoas, a segunda maior do Brasil e uma das
maiores do mundo, tem apenas duas linhas de metrô, que em parte dos seus
percursos até dividem o mesmo trilho. Para efeitos de comparação, o Grande Rio
tem o dobro da população da área metropolitana de Barcelona, e a metade da
extensão de metrô. A construção bastante aguardada de uma nova Linha 4, que serviria apenas como extensão da Linha 1, seria
uma empreitada totalmente racional se também não fosse absolutamente insólita,
devida a notória falta de uma Linha 3, caso único no mundo. Por sua vez, o chamado
“metrô na superfície” (i.e. os ônibus especiais que só atendem aos privilegiados
usuários da Zona Sul, enquanto os negligenciados da Zona Norte pagam extra pela
chamada “integração” via ônibus expressos) não passa de uma mera ilusão. Simplesmente
não há como confundir um ônibus com um trem, nem mesmo na imaginação! Finalmente,
além do custo relativamente alto da passagem, quem consegue embarcar no metrô
e/ou trem sofre diariamente com as constantes paradas, a falta de
ar-condicionado, a superlotação das composições e, no caso específico dos
trens, os frequentes e recorrentes problemas que incluem atrasos, apagões,
panes e até descarrilamentos por causa da má conservação dos trens e trilhos, e
da má gestão da própria concessionária. Assim, a Supervia acaba se superando apenas
com serviços super-ruins.
Assinalo,
por fim, que o trânsito é intransitável na Cidade Maravilhosa. Anda parada e
para andando. Daqui em diante, somente adianta andar a pé! Realizar-se-ia, desse
modo, o lema escrito por Rubem Fonseca no seu famoso conto "A arte de andar
nas ruas do Rio de Janeiro" (1992): solvitur
ambulando. Traduzindo: se resolve
andando. Andar com pé eu vou, então, assim como o protagonista da história, o
andarilho Augusto cujo nome real é Epifânio, que acredita que "ao caminhar
pensa melhor, encontra soluções para os problemas".[9] Desse
modo, passa por epifanias e/ou descobertas tão profundas quanto rasteiras durante
as suas andanças por uma cidade transfigurada em prosa, se não em verso. Para
solucionar os problemas do trânsito, concluo: abaixo o transporte público e
particular, e salve os transeuntes! Solvitur
ambulando....